INTRODUÇÃO
As agressões e os castigos físicos que se praticavam contra os trabalhadores praticamente desapareceram no final do século XX. Como forma de atingir o trabalhador, eis que surge a humilhação que se pratica por meio do assédio moral.
A violência moral no trabalho constitui um fenômeno internacional, segundo levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em diversos países desenvolvidos. A pesquisa aponta para distúrbios da saúde mental relacionados com as condições de trabalho, em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos.
As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), estas serão as décadas do mal estar na globalização, onde predominará depressões, angústias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização de trabalho.
DEFINIÇÃO DE ASSÉDIO MORAL
O assédio moral pode ser definido como toda a conduta abusiva, repetitiva, prolongada e sistematizada, quando trabalhadores são expostos a situações humilhantes e constrangedoras, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, manifestando-se por atitudes desumanas e aéticas, especialmente por comportamentos, palavras e gestos, configurando perversidade no local de trabalho e que podem provocar danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaça de perda do emprego e degradação do ambiente de trabalho.
O Ministério do Trabalho e Emprego, em seu sítio oficial, traz a seguinte definição: “Assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.), que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.
CLAUDIO A.C. DE MENEZES ensina que o assédio moral “é um processo, conjunto de regras, procedimentos destinados a expor a vítima a situações incômodas e humilhantes” e que, na sutileza do cotidiano, aparece no estilo pé-de-ouvido, significando que a agressão não é aberta nem exposta a diálogo. Seus sinais não aparecem em momentos de crise ou explosão dos protagonistas, mas no dia a dia, mascarados, invisíveis.
Para MARGARIDA M.S. BARRETO, o assédio moral pode ser definido como violência moral ou tortura psicológica, compreendendo “um conjunto de sinais que visam a cercar e dominar o outro”, presumindo-se “perseguir sem tréguas com o objetivo de impor sujeição”, podendo ser “revelado por atos e comportamentos agressivos, realizados, frequentemente, por um superior hierárquico, contra uma ou mais pessoas, visando a desqualificá-las e desmoralizá-las profissionalmente, desestabilizá-las emocional e moralmente, tornando o ambiente de trabalho desagradável, insuportável e hostil, forçando-as a desistir do emprego”.
MÁRCIA NOVAES GUEDES conceitua o assédio moral da seguinte forma: “No mundo do trabalho, assédio moral significa todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima”.
BARRETO arremata afirmando que assediar moralmente é uma “exposição prolongada e repetitiva a condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradadas. São condutas e atitudes cruéis de um (a) contra o (a) subordinado (a) ou, mais raramente, entre colegas”.
Podemos ilustrar as definições acima, citando o acórdão 002835.86.2010.5.12.0054 publicado no TRTSC/DOE de 19/01/2012, nos seguintes termos:
INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL. O assédio moral caracteriza-se pela repetição das condutas que expõem o trabalhador a situações constrangedoras ou humilhantes. A violência psicológica sofrida implica lesão de um interesse extrapatrimonial, juridicamente protegido, gerando direito à reparação do dano moral. Se não houver a referida reprodução de situações que oprimam o empregado, não se cogita de indenização por assédio moral.
A ocorrência do assédio moral está intimamente ligada com o “elemento poder” nas relações de trabalho. O superior pode centralizar ao seu redor uma parte do coletivo para propiciar um ambiente hostil e desestabilizador para o trabalhador hostilizado, externando uma violência psicológica extrema, de forma sistemática, durante um longo período de tempo. Sobre esse ponto, ANA M. DE O. ROSA destaca que “o assédio moral se faz presente nos relacionamentos onde existe a hierarquia de poder, ou melhor, em qualquer relacionamento em que não há respeito pelos direitos dos outros – em geral, do subordinado”.
Nas empresas, algumas situações peculiares colaboram para o surgimento do assédio moral, tais como: cultura e clima permissivo, desconfiança e competição muito intensa, supervalorização das estruturas hierárquicas, processos de reestruturação organizacional sem transparência e com ameaças propagadas e admissão de trabalhadores com qualificação superior ao da chefia.
Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho, em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e da vergonha de também ser humilhados, associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e reatualizam ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instaurando o “pacto da tolerância e do silêncio” no coletivo, enquanto a vitima vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, perdendo sua auto-estima.
O DEVER DE INDENIZAR
A Carta Magna e o Código Civil asseguram o direito do trabalhador a indenização por dano moral, pelo desrespeito do princípio de igualdade na relação trabalhista, podendo pleitear, em juízo, a compensação pecuniária pelos sofrimentos, humilhações e maus-tratos ocorridos durante a execução do contrato de trabalho.
Dispõe a Constituição de 1988:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Inciso X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Sobre esse mesmo ponto, reza o Código Civil Brasileiro:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Dessas disposições legais, surge o dever legal de indenizar. A Justiça do Trabalho tem sido rigorosa quando caracterizado o assédio moral no exercício do trabalho. Sobre o direito à indenização, citamos o acórdão relativo ao processo RO 0004098-79.2010.5.12.0014, publicado no TRTSC/DOE de 07/02/2012:
ASSÉDIO MORAL. INDENIZAÇÃO. A conduta abusiva da empresa violadora dos direitos da personalidade que atenta, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade, a integridade física ou psíquica do trabalhador, ameaçando o seu emprego ou degradando o meio ambiente do trabalho, configura assédio moral e enseja o pagamento de indenização a título de danos morais, nos termos dos artigos. 5º, X, da CF/88 e 186 do Código Civil.
Na mesma direção, o acórdão relativo ao processo RO 0001195-13.2011.5.12.0022, publicado no TRTSC/DOE de 02/02/2012:
ASSÉDIO MORAL. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. Comprovado que o tratamento dispensado ao trabalhador por parte do seu superior hierárquico representava abuso do poder diretivo, deve ser reconhecida a prática de assédio moral, causadora de danos ao patrimônio imaterial do empregado, o que determina o reconhecimento da obrigação de indenizar do empregador.
A caracterização da existência do assédio moral depende de comprovação. Meras alegações são insuficientes à condenação do empregador. Nesse sentido, o acórdão relativo ao processo RO 0000628-12.2011.5.12.001 2, publicado no TRTSC/DOE de 31/01/2012:
ASSÉDIO MORAL NÃO CARACTERIZADO. A caracterização do dano moral indenizável decorre da coexistência de um dano efetivo, nexo causal entre o ato praticado e o dano e a ilicitude do ato que o causou. A ausência de sua demonstração inequívoca, ônus que compete à vítima, torna indevida a pretensão de reparação civil.
Com o intuito de clarificar a compreensão da matéria, transcrevemos o acórdão referente ao processo 000916-2009-015-12-00-0, publicado no TRTSC/DOE de 31/03/2011:
DANOS MORAIS. A caracterização do dano moral indenizável decorre da coexistência das seguintes condições: a ocorrência de um dano efetivo, o nexo causal entre o ato praticado e o dano e a ilicitude do ato causador do dano. O dano moral, segundo Cláudio Antônio Soares Levada, "é a ofensa injusta a todo e qualquer atributo da pessoa física como indivíduo integrado à sociedade ou que cerceie sua liberdade, fira sua imagem ou intimidade". Existindo prova nos autos de que a atitude precipitada praticada pelo empregador causou constrangimento e humilhação ao empregado, faz ele jus ao pagamento de indenização por danos morais. O valor da indenização deve possibilitar a diminuição do sofrimento do empregado e alcançar o intuito pedagógico, evitando que a empresa volte a causar prejuízo aos seus empregados.
TIPOS DISCRIMINATÓRIOS
Na obra Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral, MARIA-FRANCE HIRIGOYEN aduz os seguintes tipos discriminatórios: assédio moral por motivos raciais ou religiosos; assédio moral em função de deficiência física ou doença; assédio moral em função de orientações sexuais; assédio moral discriminatório de funcionários e representantes sindicais.
Esses tipos discriminatórios de assédio moral podem ser explicitados por uma liderança autoritária, o rigor excessivo, a falta de bom trato, o gesto, a conduta abusiva e constrangedora; humilhar repetidamente, inferiorizar, amedrontar, menosprezar ou desprezar, ironizar, difamar, ridicularizar, risinhos, suspiros; piadas jocosas relacionadas ao sexo, ser indiferente à presença do outro, estigmatizar os adoecidos pelo e para o trabalho, colocá-los em situações vexatórias, falar baixinho acerca da pessoa, olhar e não ver ou ignorar sua presença, rir daquele que apresenta dificuldades, não cumprimentar, sugerir que peçam demissão, dar tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, dar tarefas através de terceiros ou colocar em sua mesa sem avisar, controlar o tempo de idas ao banheiro, tornar público algo íntimo do subordinado, não explicar a causa da perseguição, difamar e ridicularizar.
A doutrinadora menciona também as pessoas “excessivamente competentes ou que ocupem espaço demais”; pessoas “resistentes à padronização”; pessoas aliadas a grupos divergentes da administração; pessoas com proteção das leis trabalhistas; pessoas improdutivas e pessoas temporariamente fragilizadas por licenças de saúde, como alvo das perseguições dos superiores hierárquicos.
O assédio moral no trabalho envolve fenômenos denominados de fenômeno vertical e fenômeno horizontal.
O fenômeno vertical se caracteriza por relações autoritárias, desumanas e aéticas, onde predominam os desmandos, a manipulação do medo, a competitividade, os programas de qualidade total associado à produtividade. Com a reestruturação e reorganização do trabalho, novas características foram incorporadas à função: qualificação, polifuncionalidade, visão sistêmica do processo produtivo, rotação das tarefas, autonomia e flexibilização. Exige-se dos trabalhadores maior escolaridade, competência, eficiência, espírito competitivo, criatividade, qualificação, responsabilidade pela manutenção do seu próprio emprego (empregabilidade) visando produzir mais a baixo custo.
O fenômeno horizontal está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho reforçam atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas que sustentam a cultura do contentamento geral.
Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas que carregam a incerteza de vir a tê-las, mimetizam o discurso das chefias e passam a discriminar os improdutivos, humilhando-os.
No mesmo sentido, HIRIGOYEN apresenta a seguinte classificação de assédio moral nas organizações: “o assédio vertical descendente, proveniente do comando hierárquico como abuso de poder; o assédio horizontal, aquele que surge entre colegas da mesma hierarquia funcional; o assédio horizontal e vertical descendente o chamado misto, que ocorre em função da omissão do superior hierárquico diante de uma agressão; o assedio ascendente, caso raro, presente quando o poder, por alguma razão, não está com o comando superior”.
CONCLUSÃO
O desabrochar do individualismo reafirma o perfil do novo trabalhador: autônomo, flexível, capaz, competitivo, criativo, agressivo, qualificado e empregável. Estas habilidades o qualificam para a demanda do mercado que procura a excelência e saúde perfeita. Estar apto significa responsabilizar os trabalhadores pela formação/qualificação e culpabilizá-los pelo desemprego, aumento da pobreza urbana e miséria, desfocando a realidade e impondo aos trabalhadores um sofrimento perverso.
A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do trabalhador de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.
Entendemos que as empresas devem ficar atentas. Os estudiosos já reconhecem que o fenômeno – assédio moral no trabalho – é fator de redução da produtividade, favorece o absenteísmo e a rotatividade, geradores de maior custo de reposição de pessoal. A redução também ocorre em função do baixo moral que o indivíduo passa a ter perante o seu grupo e pela perda e/ou danos em equipamentos, acontecimentos estes que podem ser considerados como lógicos, diante da desconcentração que se provoca a um trabalhador pressionado.
As cautelas são necessárias, diante as indenizações que estão sendo fixadas, inclusive custas judiciais e honorárias advocatícios. Devemos também salientar a deterioração do custo do potencial produtivo. A conta do trabalhador afastado e/ou a redução do seu potencial para o trabalho é suportada por toda a sociedade, pois todas as despesas decorrentes são agregadas ao custo dos produtos, que podem ser evitados com a mitigação do assédio moral no ambiente de trabalho.
É conveniente que as empresas implantem uma política de reeducação dos valores, com incentivo à prática do diálogo constante e permanente e à adoção de um código de ética e conduta, baseado no respeito mútuo entre todos os trabalhadores e os ocupantes do cargo de chefia.
Trabalho elaborado por IVALDO KUCZKOWSKI, advogado especialista em Direito Administrativo e Conselheiro de Tributos da empresa AUDICONT Contabilidade, Marcas & Patentes e Inteligência Fiscal.